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sábado, 24 de setembro de 2011

E como nada acontece de novo na nossa pacata terrinha...

O TOMÉ DO CASTELO…

E como nada acontece de novo na nossa pacata terrinha…hoje vou outra vez falar, nunca é demais sobre uma perrsonalidade picaresca…cá do "burgo"...!

Pouca gente haverá em Coruche que se lembre de ter ouvido falar no Tomé do Castelo.
Pois este Tomé marcou a sua época ai entre 1830 a 1850, segundo consta, era o guarda, ou melhor o ermitão da Igreja da Senhora do Castelo, conhecido de toda a população da vila e seus arredores.
Homem dos seus 40 a 45 anos, de estatura regular, um pouco curvado, olhos pequeninos e penetrantes, palavras mansas, suaves e não muitas; tal era o Tomé. Muitos o tomavam por um santo, e, com os predicados que denotavam um verdadeiro tartufo, estava-lhe a carácter o lugar que ocupava.
Os devotos que de diversas terras vinham todos os anos ás festas de 15 de Agosto, tinham por ele tanta estima, como devoção tinham pela Senhora do Castelo, que naqueles tempos, tanto por todo o Alentejo, como pelo Algarve, era considerada a Santa de mais virtudes e mais pródiga em fazer milagres.
A fama da Senhora de Lourdes ainda não tinha ultrapassado as fronteiras e a Senhora de Fátima era ainda desconhecida dos pequenos pastores de Vila Nova de Ourém, de forma que não havia Santo nem Santa que pudesse desviar-lhe a devoção, nem a santidade das suas virtudes, nem a gloria dos seus triunfos milagrosos: e lá estava o nosso Tomé, o seu maior propagandista com as suas palavras cheias de unção para lhe exaltar a fé, contando, com todas as minuencias os prodígios dos mais estupendos milagres que é possível imaginar, feitos pela Senhora do Castelo.
Contava ele, que certo dia, um alvanel trabalhando sobre um andaime de grande altura, devido a um descuido qualquer, dali se despenhara cairia nas lages de pedra de um terraço onde com toda a certeza ficaria feito em pedaços, se não fora a feliz lembrança que tivera, quando vinha a meio da queda, em se apegar com a Senhora do Castelo a pedir que lhe valesse, e com tanta devoção o fez, que a nossa Senhora o atendeu. O homem efectivamente caiu sobre as pedras, mas ficou ileso, apenas sofrendo o susto.
Como ermitão a limpeza da Igreja e, de todos os objectos do culto era só feita por ele, mas o que mais trabalho lhe dava era o menino Jesus, segundo ele dizia, que aproveitava o silêncio da noite para fazer certas excursões misteriosas, não se sabendo nunca onde passava as noites, voltando de manhã com os sapatinhos cheios de lama e o manto coberto de pó!
Depois para limpar aquelas rendas e bordados e as santas vestimentasem estado que ninguém suspeitasse que o menino se ausentava de noite,era um trabalho insano.
Como tinha o dom da narrativa, sempre grave e pachorrento, era com estas e outras patranhas de igual força que deixava de boca aberta todos quantos tinham a paciência de o escutar, e com tanta vivacidade dizia estas coisas, que por vezes julgava estar falando verdade, e um dia para se certificar foi apalpar os pés da imagem a ver se estavam molhados.
Sobre a aparição de Santa e da fundação da Igreja também contava que quando o rei D. Afonso Henriques saira de Santarém com as suas hostes em direitura a Évora a bater os mouros, viera esbarrar em Coruche, onde apareceu a virgem que lhe disse: -“bem vindo sejas Afonso, aí te envio um guia que te ensinarão caminho que pretendes seguir” – e a coruja que hoje se vê nas armas da vila, lá foi piando adeante do exército. Foi então que o rei em recompensa daquele serviço mandou edificar a Igreja sob a invocação da Senhora do Castelo.
Ao meio do templo , pregada na parede, havia um caixote, chapeado em ferro, com grossas fechaduras, e um pequeno orifício na tampa a que chamavam mealheiro, convidando os devotos deitar o que diziam ser esmola, ainda mesmo que fossem moedas de ouro.
No trono, junto aos pés da Senhora e do menino Jesus, colocava-se uma grande bandeja de prata destinada ao mesmo fim do migalheiro, Mestre Tomé sempre vigilante atento não perdia de vista os visitantes, e quando estes iam para cumprir os seus votos, indicava-lhes de preferência a bandeja, exclamando com a sua voz melíflua e untuosa: -“ é ali apontando para a bandeja é ali meus amados irmãos, é ali aos pés d´Ela que deveis depor as vossas esmolas, é ali que Ela as sabe agradecer”…Os devotos então, sugestionados pela quente palavra do Tomé, lá se encaminhavam para a bandeja, e as belas peças em ouro do reinado de D. Maria I que há muito não viam sol nem lua, começavam a cair como chuva de envolta com os cruzados de D. João VI.
Não era só aquelas moedas, eram anéis, cordões, brincos e toda a espécie de jóias que ali se via, oferendas que os romeiros traziam para pagamento das suas promessas.
No mealheiro depois de aberto pouco se encontrava, algumas moedas em cobre e nada mais. O Tomé esfregando as mãos, intimamente rejubilava de prazer.
O dia 15 de Agosto era para a Senhora do Castelo como a nau dos quintos que do Brazil vinha carregada de ouro e pedrarias para o rei D. João V; e para o povo da vila de Coruche e das suas circunvisinhanças um dia de grande jubilo.
Hoje apesar da concorrência de devotos inferior á daqueles tempos, este povo ainda conserva pela Senhora do Castelo a mesma fé e a mesma devoção que os seus antepassados. Como preito de veneração é raro encontrar-se ali uma qualquer Maria que não tenha aquela Santa por madrinha de batismo, costume muito antigo que vem de longas eras e ainda hoje respeitado.
A irmandade da Santa dava ao nosso Tomé além da casa para habitar, uns magros tostões por ano que para pouco lhe chegavam mas como tinha pulso livre, pedia para si em nome da Santa e assim se foi governando por largos anos até que a morte se lembrou de o levar.
Sucederam-lhe outros ermitões mas nenhum com a lábia fina e sugestiva que o Tomé sabia empregar com todos os devotos que durante o ano visitavam a Senhora do Castelo. Viveu sempre com o apêndice do Castelo, -Tomé do Castelo – nunca teve outra alcunha.

Até mais...fiquem bem...!

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